12.19.2008

Felicidade guerreira por Dagoberto D. Teodoro

Falar de racismo entre os seres humanos é falar numa doença, que infelizmente não se contagia pelo ar ou qualquer outra forma de contato, mas sim pela desinformação e má concatenação de idéias.
Eu sempre gostei de ser negro. Na minha infância me desenvolvi por entre os meninos que assim como eu, também eram pés descalços, negrinhos alegres, bons de futebol e descomplicados.
Quando pequeno não sentia o quão pesado é o legado de ser negro. Ainda não tinha percebido quão barato é a carne negra. Para mim eu era gente, menino gente que gostava de brincar com outros meninos na rua o dia inteiro e a tardezinha ouvir a doce voz de minha mãe me chamando: “Pra dentro moleque tomá banho, pra jantá”.
Se o desconhecimento é a paz dos incautos, a tomada de consciência traz a luta mais renhida para perto. No entanto, a cada batalha vencida você se torna mais forte.
Comigo aconteceu exatamente assim, quando entrei na adolescência e precisei ganhar a vida. Primeiro emprego foi no pesado, numa borracharia na Vila Leopoldina perto do Ceasa. Às vezes, eram dez horas por dia, segunda a segunda, ao final do dia meu corpo saía moído.
As comparações entre mim e os pneus não me deixavam acanhados, até corroborava com meus agressores e autodenominava-me como um pneu careca.
Até que um dia, sem motivação intelectual alguma, apenas pela necessidade de ganhar mais, e trabalhar menos, decidi mudar de emprego. Na mesma Vila Leopoldina, arranjei um emprego de auxiliar de produção numa loja cerealista atacadista. O serviço era pesado, mas pelo menos agora tinha dia de descanso, carteira assinada, horário para entrar e sair. Deu pra voltar a estudar a noite. Terminar o ensino médio que, naquele tempo, ainda era o 2˚ grau.
A comparação com os pneus ficou para trás, mas os insultos e apelidos agora eram mais sofisticados e sarcásticos. Por ser alto e magro, um desses apelidos era “lingüiça de feijoada”. No entanto, o apelido mais usual era “saracura de brejo”, entre outros. Mas o que mais me incomodava era o de “Margarida”.
Por que Margarida? Porque minha orientação sexual era motivo de investigação por uma boa parte dos funcionários. “Olha a careca do Dadá, será que ele dá, será que não dá”.
Na escola também havia a pressão dos meus colegas e amigos de classe para que eu me tornasse um predador, mas eu estava sossegado, minha preocupação era sobreviver e deixar que os outros vivessem em paz.
Apesar de tudo, eu estava feliz, vivia para o trabalho, escola, casa, trabalho. A falta de consciência do legado dos meus antepassados não me incomodava. Cheguei a concordar, certa vez, que o melhor era não comentar essas coisas de negros, essa estória de racismo, preconceito era conversa fiada de negro baderneiro.
Em relação às piadas e ofensas de mau gosto, a minha postura nunca era de enfrentamento, sempre era de neutralidade, por vezes de ostracismo em mim mesmo.
Já havia completado dezesseis anos e, mais uma vez, movido pela necessidade de sobrevivência, decidi mudar de emprego, ganhar um salário melhor. Fui então, trabalhar como ajudante geral em uma concessionária ali mesmo nas imediações de Ceagesp. O ambiente era melhor, as pessoas eram menos hostis, e, por conseguinte, mais educadas. Comecei a ser até bem tratado. Que diferença! Tive a promessa de dono da loja de que, assim que me formasse no 2˚ grau e passasse a época do quartel, teria uma vaga no centro administrativo da empresa.
Naquela época, 1987, a informática ainda engatinhava no Brasil, e eu mesmo sem saber direito para que servia e sem condições de comprar uma máquina, entrei num curso de DOS.
Nesse novo emprego, comecei a me vestir, comer e falar melhor. As piadas cessaram, nem mesmo na escola havia mais chacotas.
Minha sexualidade não era insuflada, sentia-me mais sossegado, para mim era indiferente ser hetero ou homossexual, ou mesmo bissexual, ou até mesmo ter a necessidade de estar ou ter alguém mais íntimo. Eu queria progredir financeiramente.
Mas numa tarde de domingo de 1987, um acidente mudaria minha vida para sempre. Saltei em um paredão rochoso no litoral sul e fraturei minha coluna.
Fui socorrido, primeiramente num hospital do Vale do Ribeira; depois o hospital Sorocabano. Em estado letárgico apenas ouvia dos enfermeiros que me atendiam: “Coitado, tão moço, já inválido”.
Tornei-me paraplégico. Naquele momento, achei que minha vida havia acabado. Seguiram-se dois anos muito penosos para mim. Minha família se desestruturou, meu corpo se modificou drasticamente. Todas as funções diárias que eu fazia despercebidamente passaram a ser um desafio e uma conquista. Muita fisioterapia, terapia em grupo, muitas lágrimas sufocadas no travesseiro, privações das mais diversas ordens. Fiquei por algum tempo curtindo uma autopiedade e tendo dó de mim mesmo.
No entanto, meus professores do ensino médio me incentivaram a estudar mesmo deitado na cama do hospital.
Sem dinheiro, lutando judicialmente para que aquele acidente fosse reparado pelo menos financeiramente, isolado do mundo e das baladas, foi nessa situação que descobri a leitura, a palavra escrita, a mim mesmo.
Comecei a estudar por conta própria, lia tudo que caia em minhas mãos. Descobri o legado dos meus antepassados afro-brasileiros. Entendi o porquê de tanta discriminação em relação aos negros. O subemprego, os salários menores, a baixa escolaridade, o preconceito velado, as moradias distantes do trabalho.
Decidi enfrentar o mundão mais uma vez. Mas agora não só por uma questão de sobrevivência, mas também para minha auto-afirmação.
Na cadeira de rodas, enfrentava ônibus lotado, trens, estações sem acessibilidade, calçadas que desafiam a resistência até mesmo dos atletas mais bem preparados, mas toda essa adversidade foi enfrentada de cabeça erguida.
Encontrei a Educafro, fiz a minha primeira faculdade, aprendi a dirigir, me formei em Letras, passei no meu primeiro concurso público, continuei a estudar.
E agora, quando olho para trás, vejo que o menino ingênuo e inseguro que brincava de pés descalços e nariz sujo pelas ruas de Carapicuíba não existe mais: deu lugar a um homem consciente e lutador, mas ainda de bom coração, que gosta de ajudar as pessoas. Mesmo que seja só com palavras de incentivo, porque foram as palavras da minha leitura solitária no quartinho da minha casa que me ajudaram a entender que a felicidade de ser negro é uma felicidade guerreira.

12.16.2008

Morangos Silvestres




Enviado por Angelina (Escrevivente)

“Depois de imenso combate, Zeus venceu todos os seus adversários. Ele dividiu o universo com seus irmãos, dando o mar a Posídon e o mundo dos mortos a Hades. Mas a vitória do novo soberano dos deuses nunca deveria ser esquecida. Zeus procura Mnemósine, a encarnação da memória, na distante Piéria. Lá a fecunda por nove noites seguidas. Dessa união nasceu as nove musas, segundo Hesíodo. As nove irmãs, conforme o poeta, são toda a criação possível. EUTERPE traz inspiração aos homens pela música; TÁLIA, preside a comédia, em oposição à severa MELPÔMENE, musa da tragédia. TERPSÍCORE é a mais alegre e traduz a dança; ÉRATO traz consigo a poesia erótica e lírica. POLÍMNIA está próxima a quem deseja fazer discursos e ditirambos, pois é a musa da retórica. URÂNIA torna-se inspiradora da astronomia e das ciências em geral e a bela CALÍOPE é a encarnação da sabedoria épica. A outra filha do casal divino é CLIO, a musa da história. A História nasce da memória e da relação entre o poder e a vontade de narrar seus feitos. No mito grego estão expostas as formas básicas da relação da Memória e História. A Memória é anterior ao fazer histórico, preexiste a ele e a ele sobrevive. A Memória nasce da necessidade de registrar o notável, de estabelecer a recordação do belo, do bom e também do terrível e do trágico. ... Para os mesmos gregos, recordar é próprio do ser humano.”
Extraído do livro “A Escrita da Memória” – Instituto Cultural Banco Santos – pág. 25

Escrevivendo “Memórias”: 2º Módulo – 6º Encontro

Conteúdos:
- Comentário final e entrega das produções escritas “Memórias de família”;
- Finalização de discussões: Competência textual versus habilidade gramatical, Coerência e Coesão;
- Projeção e debate do filme “Morangos Silvestres” (1957) de Ernst Ingmar Bergman;

Obs.: Confraternização em sala.

Objetivos:
- Apresentar aos participantes, a partir da entrega das produções finais corrigidas e comentadas, os principais pontos falhos das mesmas, quanto aos aspectos textuais, gramaticais e formais, tendo por base as noções: competência textual versus habilidade gramatical, coerência e coesão;
-Levá-los a uma revisão sobre o processo de escrita vivenciado na oficina, enfatizando a importância da reescrita, assim como retomar pontos relevantes a respeito do tema “memória” por meio do filme “Morangos Silvestres” (1957) de Ernst Ingmar Bergman.

Breve descrição:

Caro escreviventes,

O último encontro do “Escrevivendo Memórias”, apesar do ar nostálgico, não foi diferente das outras belas manhãs de sábado que passamos juntos no Museu da Língua Portuguesa.
Começamos com a entrega das produções finais, intituladas “Memórias de família”, já com os comentários e correções finais; fizemos uma breve exposição das principais dificuldades encontradas nos textos, embora cada um tenha recebido em sua produção um “diagnóstico” pessoal da escrita, sugerindo soluções a esses problemas.
Podemos dizer que, no geral, tivemos produções incríveis, não só pelo conteúdo abordado, mas, também, pela forma. Nosso grupo está em um estágio avançado de escrita, mas não livre de mitos e crenças que cercam o ato de escrever, por isso aproveitamos e finalizamos uma discussão que vínhamos travando ao longo de toda a oficina: desmistificar a associação direta e errônea do “bom texto” ao domínio da gramática normativa, já que a competência textual não está restrita a uma habilidade gramatical. Também, retomamos a importância dos fatores de textualidade, coesão e coerência, chamando a atenção para os efeitos que estes produzem no texto; pedimos que os participantes continuem seus estudos sobre o tema mesmo após o fim da oficina.
Já na segunda parte do encontro, passamos ao filme “Morangos Silvestres” (1957) de Ernst Ingmar Bergman, sugerido pela coordenadora do Escrevivendo, Karen Kipnis, que esteve presente na oficina, acompanhada de Mafuane, uma das mediadoras do Escrevivendo na Casa das Rosas- Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura.
O filme belíssimo conta a história de um velho professor, Isak Borg, que numa viagem a uma universidade para receber uma homenagem, depara-se no caminho com estranhos e parentes, o que faz reviver velhos momentos de sua vida e tentar descobrir o significado de estranhos sonhos que vinha tendo, num diálogo perfeito entre o passado e presente. É neste ponto que o filme retoma e se relaciona com vários pontos abordados na oficina “Escrevievdo Memórias”.
Finalizando, cabe dizer da “festinha” que realizamos que, entre comes e bebes, contou com uma “contação de história” feita especialmente para nosso Escrevivendo. Agradecemos de coração a escrevivente Luzia por ter nos encantado e emocionado ainda mais. De certo modo ela traduziu o que foi para nós esses momentos especiais que guardaremos em nossa memória.

Obrigado pela participação de todos!

Até o próximo Escrevivendo!

Abraços,

Recomendações do dia:
- Bibliografia dos encontros anteriores;
- “Morangos Silvestres”
http://www.65anosdecinema.pro.br/Morangos_silvestres.htm

12.10.2008

Meus oito anos - Casimiro de Abreu

Meus oito anos

Oh ! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é - lago sereno,
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor!

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minhã irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
- Pés descalços, braços nus
- Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

................................

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
- Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!

Fonte: http://www.jornaldepoesia.jor.br/casi.html#meus

Porquinho-da-Índia Manuel Bandeira

Porquinho-da-Índia

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas . . .
— O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.

Fonte: http://www.jornaldepoesia.jor.br/belo17.html

Escrevivendo “Memórias”: 2º Módulo – 5º Encontro

Conteúdos:
Troca das memórias em duplas. Introdução à noção de parágrafo. Apresentação das ferramentas para iniciação na blogagem. Discussão sobre a função do blog no Escrevivendo.
Convidada especial: Loreta Russo do Escrevivendo Memórias Eróticas (Casa das Rosas).

Objetivos:
Dar continuidade ao trabalho com as memórias, dando ênfase, nesta ocasião, a troca dos textos em duplas, para que se desperte o olhar crítico de um leitor e não somente de um escritor, por parte dos escreviventes. Apresentação das ferramentas para se criar um blog e discussão sobre sua função no Escrevivendo.

Meus caros,
O nosso quinto encontro foi bem especial. Em primeiro lugar, por que tivemos a ilustre presença da nossa companheira do Escrevivendo Memórias Eróticas, Loreta Russo, que veio nos auxiliar na explicação sobre como criar um blog pessoal. Em segundo lugar, por termos partido para a ação e começarmos as trocas, em duplas, dos textos de memórias dos escreviventes.

No início da aula, Loreta apresentou-se, contou um pouco sobre a oficina que ministrou semelhante a nossa, na Casa das Rosas. Lemos também o texto da escrevivente Claudice, que relatou, em suas memórias, a infância com os irmãos e primos numa cidade litorânea de Alagoas. Muito lindo!!

Em seguida, comentamos o texto lido e aproveitamos o ensejo para entrar na noção de parágrafo que, assim como coesão e coerência, comentados na aula passada, se faz muito presente nos textos. Perguntamos aos escreviventes: O que é o parágrafo? Para que serve? Quais as qualidades do parágrafo? Qual é a estrutura de um parágrafo padrão? Posteriormente, distribuímos um material para os participantes com explicações mais detalhadas sobre a noção de parágrafo e definições de coesão e coerência.

Terminada esta breve discussão, partimos para a atividade de troca dos textos das memórias em duplas. Cada integrante da dupla ficaria com texto do colega, leria com mais atenção, comentaria, observando os aspectos textuais discutidos, entre outros, e posteriormente, devolveriam para o colega, que em sala passaria o texto a limpo, para que pudéssemos corrigí-los e comentá-los ao longo da semana. A atividade, para nossa surpresa, rendeu bastante! Foram 50 minutos reservados para ler e comentar os textos dos colegas e mais 10 minutos para que pudessem passar a limpo.

Assim como a atividade de leitura das duas aulas anteriores, a atividade de troca se mostrou muito produtiva e saudável. O quinto encontro, assim como o terceiro, foi um dos dias em que a turma esteve mais unida. Todos aceitaram bem as críticas e sugestões dos colegas em relação aos textos; e a discussão entre eles rendeu bons frutos que puderam ser compartilhados.

Caminhando para o final do encontro, os participantes que haviam passado a limpo as memórias nos entregaram seus textos. Os que não haviam terminado ficaram de nos enviar, até quarta, por e-mail, os textos reescritos. Dedicamos os 20 minutos finais do encontro para Loreta explicar as ferramentas para se entrar e se criar um blog, bem como sua função no Escrevivendo. Loreta comentou a função do blog no Escrevivendo, que é uma oficina de leitura e escrita para o cotidiano, com interface para blogagem e expôs, didaticamente, no Power Point os passos para se entrar e se criar um blog.

Para terminar, quero deixar um recadinho para vocês:
Sábado quem vem será o nosso último encontro. Entregaremos os textos de memórias corrigidos. Comentaremos as questões textuais relevantes e em seguida, veremos um filme do Bergman, surprese rsssss. Tragam doces, salgados, refrigerante, máquina fotográfica, etc, pois queremos fazer uma grande festa de encerramento!!


Abraços,


Recomendações do dia:
Escrevivendo Memórias Eróticas: http://escrevivendoeros.blogspot.com/

Escrevivendo “Memórias”: 2º Módulo – 4º Encontro

Conteúdos:
Continuação da leitura das memórias. Introdução à noção de coesão e coerência.
Discussão: Memórias, Coesão e Coerência.

Objetivos:
Promover a leitura e discussão das memórias. Debater sobre a relação entre o escritor e o texto, entre temas e figuras, marcas de subjetividade do enunciador presentes no enunciado, escolhas lexicais, etc.

Meus caros,
No quarto encontro, demos continuidade às emocionantes leituras das memórias. Como mediadores da oficina, propusemos aos escreviventes que, além de escutarem com a atenção as memórias, observassem as escolhas lexicais, a linguagem, o estilo da escrita de cada um dos colegas.
Pudemos destacar, neste dia, a leitura das memórias de Fernando sobre época de escola, de Carmelita sobre sua infância com a família, de Luzia sobre sua infância no Ceará, de Fabiana sobre a história de amor, aos moldes dos contos de fada, de seus avós... enfim, tantas histórias lindas, que renderiam- sem dúvida- uma grande novela ou romance!

O que nos chamou a atenção, nesse encontro, foi , sem dúvida, o grande número de memórias de infância lidas. Fizemos um debate sobre esta temática tão presente em seus textos. Por que a infância é um dos temas mais apreciados pelos escritores? O que há em comum entre as memórias lidas? Que palavras usamos para falar dessa temática? Como os sentidos se fazem presentes nestas memórias? Enfim, como vocês devem perceber, esse diálogo foi bem interessante, e rendeu boa parte do tempo! Aproveitamos o ensejo da discussão sobre memórias de infância, para citar escritores de nossa literatura. Citamos vários autores renomados, tais como: Manuel Bandeira, Casimiro de Abreu e Graciliano Ramos, que transpuseram à forma literária suas memórias de infância, seja no campo da prosa, seja no campo da poesia.

Saindo um pouco da literatura canônica, debatemos também a temática da infância no campo psicanalítico, em que se destaca figura Sigmund Freud, o pai da Psicanálise. Freud foi um dos teóricos que mais se interessou pelo universo infantil, estudando várias questões relacionadas à psique da criança, como o Complexo de Édipo. Citamos um texto de Freud intitulado “Algumas reflexões sobre psicologia escolar”, que relata as duas fases da infância e que casava muito bem com as memórias lidas. Ele relata que, na primeira fase da infância, a criança se espelha na figura do pai e que, na segunda fase, quando a criança está no período escolar, ela se espelha na figura do professor, que passa a desempenhar o papel de um “pai substituto”.

Finalmente, aproveitamos os textos produzidos para comentar sobre dois assuntos de grande relevância na escrita: a coesão e a coerência. Discutimos aspectos importantes em relação a esses dois conceitos, partindo das seguintes perguntas: O que é coesão? O que é coerência? O que faz um texto ser coeso? O que faz um texto ser coerente? Aprendemos mecanicamente coesão e coerência pela gramática normativa? Para debater com os alunos sobre o tema da coesão e da coerência, nos servimos do texto: “Coesão e coerência”, do site do Portal das Letras, que apresenta de forma bem didática a definição, os mecanismos de coesão e coerência, bem como exemplos em que eles aparecem. Vide endereço:
http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=redacao/teoria/docs/coerenciaecoesao

É isso gente!!
Tenham uma ótima semana!! Não se esqueçam de trazer as memórias, pois aula que vem (06/12) teremos a troca dos textos em duplas!!
Abraços,


Recomendações do dia:
Porquinho da índia – Manuel Bandeira (vide blog)
Meus oito anos – Casimiro de Abreu (vide blog)


Bibliografia utilizada:
BARROS, Diana L. P de. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 1994.
FÁVERO, Leonor Lopes. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 1993.
FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2005.
_______________. Para entender o texto: leitura e redação. São Paulo: Ática, 1997.
FREUD, S. “Algumas reflexões sobre a psicologia escolar” In: Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p. 285 -288.
GARCEZ, Lucília Helena do Carmo. Técnica de redação. O que é preciso saber para bem escrever. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

Escrevivendo “Memórias”: 2º Módulo – 3º Encontro

Conteúdos:
Leitura e discussão das produções textuais: “Memórias de família”
Apresentação da convidada: Neuza Guerreiro de Carvalho (Vovó Neuza) Discussão: Memórias


Objetivos:
Estimular a leitura e a discussão das produções textuais dos participantes da oficina, bem como proporcionar uma reflexão sobre a relação entre memórias e o ato de escrever, por meio da interação com uma escritora especializada na temática.

Meus caros,
Recordar nosso terceiro encontro é trazer à tona um dos dias mais emocionantes de nossa oficina. As imagens daquele dia aparecem na minha mente de forma tão clara e tão límpida, que parece que tudo aquilo aconteceu hoje. Sentimos um mistura de várias emoções: alegria, tristeza, dor, compaixão, identificação com as memórias lidas. Pretendo, aqui, expor de forma breve e objetiva o que aconteceu naquele dia, para que os que os escreviventes fiquem interados.

A primeira parte da nossa oficina começou com leitura dos textos das memórias de família, que deixamos como produção escrita para casa. Cada um, a seu modo, optou pela leitura da própria memória ou que outro colega a fizesse, dada à carga de emoção depositada nos textos. Houve a leitura de vários tipos de memórias, que foram além das de família, tais como: a prosa poética de Dagoberto ao relatar o seu acidente, as férias da Angelina na casa de sua avó, as histórias do vovô Pedro contadas por sua neta Alexandrina, a história comovente da mudança de Clautides para São Paulo com sua família, a festa de noivado da irmã de Leandro, a ida de Luiz Fernando para o show da Hilary Duffy entre outras.

Cada um, por meio da memória do outro, pode se recordar dos momentos da sua infância, da sua adolescência, do seu primeiro amor, das perdas familiares, enfim, de momentos bons e ruins de suas vidas. Todas as histórias suscitaram muitas discussões e nos fizeram resgatar algo do nosso ser escondido no inconsciente. As discussões deram muito “pano pra manga” e deixamos uma parte das leituras para a aula seguinte, já que na segunda parte da oficina, contaríamos com a ilustre presença da vovó Neuza Guerreiro de Carvalho que abordaria, também, o tema Memória.

Vovó Neuza preparou uma bela apresentação da história do termo memória, no Power Point, começando pela exposição do mito grego de Orpheo e Euridice, passando pelo processo neurológico de sua construção e finalizando com a exposição do bauzinho das memórias de sua família, que gentilmente ela compartilhou conosco. Aprendemos muito nesta aula sobre esta temática! Soubemos que o termo memória faz referência à deusa grega Mnmosine; que a memória é base da personalidade do indivíduo; que existem maneiras de se falar sobre memória; que há bases anatômicas e fisiológicas de sua produção; que existem conceitos e tipos de memória e, principalmente, que a leitura está na base de sua ativação. Em suma, a discussão com a vovó Neuza foi bem produtiva. Discutiu-se a relação entre memória e o ato de escrever, a subjetividade inerente no ato da escrita e muito mais.

É isso pessoal!!
Não se esqueçam de trazer as memórias no próximo encontro, 29/11, pois daremos continuidade à atividade de leitura.
Abraços e uma ótima semana para todos!!


Recomendação do dia:
Blog da Vovó Neuza: http://vovoneuza.blogspot.com/

11.10.2008

Correspondências - Charles Baudelaire

Correspondências
A Natureza é um templo onde vivos pilares
Deixam às vezes soltar confusas palavras;
O homem o cruza em meio a uma floresta de símbolos
Que o observam com olhares familiares.

Como os longos ecos que de longe se confundem
Em uma tenebrosa e profunda unidade,
Vasta como a noite e como a claridade,
Os perfumes, as cores e os sons se correspondem.

Há perfumes frescos como as carnes das crianças,
Doces como o oboé, verdes como as pradarias,
– E outros, corrompidos, ricos e triunfantes,

Como a expansão das coisas infinitas,
Como o âmbar, o almíscar, o benjoin e o incenso,
Que cantam os transportes do espírito e dos sentidos.

BAUDELAIRE, Charles. Oeuvres Completes I. Paris: Gallimard, 1976. (Pág. 11)

O estrangeiro - Albert Camus

"Hoje mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei. Recebi um telegrama do asilo: "Mãe morta. Enterro amanhã. Sinceros sentimentos." Isso não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem."

Escrevivendo “Memórias”: 2º Módulo – 2º Encontro

Conteúdos:
Apresentação do convidado: Frederico Tavares Bastos Barbosa (Poeta);
Discussão: Relações entre “Memória, poesia e escrita”.

Objetivos:
Propiciar aos participantes a interação com um escritor renomado que os levará a uma reflexão sobre a relação entre ”Memória, poesia e escrita”, de forma a contribuir para o processo de produção textual individual, cujo tema se intitula: “Memórias de família”.

Breve descrição:
Meus caros,
Recordar o segundo encontro do “Escrevivendo Memórias” será realmente um grande exercício de memória, já que uma manhã intensa como aquela certamente não caberão nas palavras que aqui seguem. Estas se mostram, ainda, poucas e fragmentadas para sistematizar e traduzir o maravilhoso (desculpe a não neutralidade) que vivemos naquelas horas. Mas, vamos lá:
Contamos no sábado com a presença do simpático Frederico Barbosa [1], o homem simples que escreve poesia. Numa manhã pra lá de poética, o escritor conversou com os escreviventes sobre as relações entre “Memória, poesia e escrita”.
O papo começou com o resgate do poema épico grego A Ilíada, de Homero, referência para discutirmos como a tradição oral foi por um logo tempo a forte aliada da memória.
Tendo por base o contexto grego, Frederico esboçou a íntima relação que a poesia possuía com a música naquele tempo, mostrando que tal junção era o elemento fundamental para o ato de “decorar”.
Uma parada neste ponto para recordar o exercício “cientificamente” comprovado que fizemos para demonstrar o poder dessa junção, a “Música Chiclete”, ou seja, aquele tipo de música que sai sai da nossa cabeça, como: “Você é luz/ É raio estrela e luar/ Manhã de sol/ Meu iaiá, meu ioiô” (Fogo e paixão, Wando). Que atire a primeria pedra quem não tem esses versos na memória... Em nosso grupo acho que alguns já até jogaram a calcinha...Foi ilário! kkkkkk. Bricadeiras a parte voltemos:
Um salto na história e chegamos à intervenção da escrita como registro da memória, que influenciou diretamente a tradição oral e, conseqüentemente, o ato de decorar. Percebemos aqui que ficamos “preguiçosos” no exercício de manutenção da memória, ainda que esta esteja presente fortemente enquanto tema na literatura. Basta pensarmos nas inúmeras narrativas predominantemente realizadas como exercício de recompor o passado...
Conversa vai, conversa vem, surgiu na roda a máxima “o poeta sente mais que os outros”. Frederico discordou radicalmente dessa afirmação e colocou sua opinião: o grande êxito do escritor reside em “fazer o outro sentir”. Somando a essa idéia uma companheira de classe disse: não só isso, mas “o compartilhar, o prazer, a relação com o outro”. Estas palavras idéias ficaram ecoando na sala e a conversa se aprofundou...
Em determinado momento, o escritor buscou ampliar nossa percepção de leitor e escritor, chamando a atenção para o processo de apreensão da memória, a qual se dá pelos cinco sentidos: visão, audição, olfato, paladar e tato. Segundo Frederico, o escritor deve estar atento a explorá-los, e não se limitar aos dois primeiros, predominantes em uma sociedade pautada na comunicação. Pensar em nossas memórias como um momento apreendido pela junção dos diferentes sentidos pode contribuir em narrativas mais ricas...
Finalizamos nosso encontro lendo alguns poemas (Sem você e Memória Se) de Frederico. Ele nos relatou um pouco sua trajetória de vida como escritor utilizando-se da comparação de dois poemas escritos em diferentes momentos: Certa Biblioteca Pessoal 1978, sua adolescência e, Certa Biblioteca Pessoal 1991, maturidade, num belo exercício de “Memória, poesia e escrita”.
É isso pessoal, comentem esse encontro, vamos rememorá-lo! Foram tantas coisas bacanas, quanto mais contribuição melhor...
Ótima semana. Escrevivemos no sábado 22/11, no qual teremos a presença da palestrante vovó Neuza (especialista em memórias; http://vovoneuza.blogspot.com/). Claro, não esqueçam, por favor, de trazer impresso suas memórias de família, vamos utilizá-las no encontro.

Abraços.

Recomendações do dia:
“O estrangeiro” – Albert Camus
“ Em busca do tempo perdido” – Marcel Proust
“ Correspondências” – Charles Baudelaire

11.06.2008

Escrevivendo “Memórias”: 2º Módulo – 1º Encontro

Conteúdos:
Apresentações: Escreviventes, mediadores, oficina;
Discussão: Mitos e Crenças sobre o ato de escrever.

Objetivos:
Promover a socialização dos participantes, assim como conhecer suas necessidades e expectativas em relação à oficina;
Expor os conceitos e as propostas do “Projeto Escrevivendo”;
Destacar a importância da leitura e escrita no cotidiano e
Iniciar uma reflexão sobre o ato de escrever.

Tarefas:
Realização de um breve texto intitulado “Quem sou eu ?”;
Escrever uma memória de família (Fazer em casa, para o dia 22/11)

Breve descrição:
A primeira parte do primeiro encontro do “Escrevivendo Memórias” começou com uma conversa em grupo, a qual permitiu nossa socialização. Sentamos em círculo e iniciamos duas rodadas de apresentações: a primeira, focada em dizer nome e formação; a segunda, como soube da oficina e o porquê fazê-la.
Descobrimos que somos um grupo, em grande parte, de formação em Humanas, isto é, historiadores, pedagogos, estudantes de administração, letras, etc. movidos pelo interesse de uma “melhor” escrita, assim como exteriorizar nossos “dotes” literários. Aliás, cabe dizer, que nossa união se dá pela possibilidade de desenvolver o tema “memória”, já que este foi apontado como o grande motivador de estarmos na oficina.
Considerando que o principal objetivo do “Escrevivendo Memórias” é desmistificar o ato de escrever, como expôs a coordenadora Karen Kipnis, por meio da reflexão direcionada para o processo de produção textual, bem como a participação do outro, entendido como o interlocutor que irá além de um mero corretor ortográfico ou gramatical[1], concluímos que nossas manhãs de sábados no Museu da Língua Portuguesa não serão em vão, afinal, estamos de acordo com a proposta.
Na segunda parte “colocamos a mão no lápis”, isto é, fizemos uma breve e livre produção de texto que consistia de responder a “simples” pergunta: Quem sou eu?.
Depois de muita crise existencial todos possuíam em mãos suas produções – não nomeadas – que foram recolhidas, dobradas e redistribuídas a um leitor que não fosse o próprio autor. Assim passamos a colocar em prática nossas habilidades investigativas: cada escrevivente deveria ler o texto que recebeu e tentaria descobrir de quem se tratava aquela produção. Conclusão: a polícia estaria feita caso possuísse em seu quadro de funcionários os escreviventes do Museu! Com pouquíssimos erros, associamos rapidamente textos e autores, e olha que era a primeira vez que nos víamos! Próxima vez será mais difícil, aguardem...
Brincadeiras à parte, a atividade permitiu perceber a partir da troca de textos como nos dizemos pelo que escrevemos, muito além do tema “quem sou eu”; notamos que o texto traz marcas pessoais e está longe de uma neutralidade. Escrever é atuar no mundo...
Finalizando nossa manhã, lemos e discutimos – em grupos de cinco escreviventes – depoimentos de escritores famosos que esboçam suas relações com o ato de escrever, em nada diferentes das nossas, no sentido de que, para eles, escrever se resumo a “uma luta”, “processo demorado”, difícil e penoso”, etc., mas, sobretudo, essencial, uma forma de “estar vivo”, como definiu Paulo Mendes Campos.
Antes de deixarmos de vez a sala, dois recadinhos importantes foram dados, recordemos: o próximo encontro, 08/11/08, terá a presença do poeta Frederico Barbosa, e devemos levar escrita a memória de família para o dia 22/11, pois não nos veremos 15/11.
É isso pessoal, ótima semana! Escrevivemos no próximo sábado.

Recomendações do dia:
“Borges e eu” - Jorge Luis Borges (vide blog)
“O lutador” - Carlos Drummond de Andrade (vide blog)

Bibliografia:
Garcez, Lucília Helena do Carmo. Técnica de redação. O que é preciso saber para bem escrever. São Paulo: Martins Fontes, 2004. (Capítulo I)

[1] Baseado no comentário de GARCEZ. Lucília H. do Carmo. Anotações para um futuro. In: A escrita e o outro. Brasília: UnB, 1988. p. 158: “A participação do outro, ultrapassando a revisão que seria a de um corretor ortográfico ou gramatical (...) traz para a pauta de discussões o funcionamento real do discurso, a construção dos significados, as interferências, a interlocução possível com um destinatário distante.”. Vale lembrar que a autora está na bibliografia básica da nossa oficina.

11.05.2008

BIBLIOGRAFIA GERAL

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Martins Fontes: São Paulo, 2003.

CALKINS, Lucy McCormick. “O essencial para o ensino da escrita” In: A arte de ensinar a escrever. Trad. de Deise Batista, Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

CAMARGO, Thaís Nicoleti de. Uso da vírgula. São Paulo: Manole, 2005.

CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. In: Ciência e cultura, 24(9), p.803-9, set. 1972.

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995.

COSCARELLI, Carla Viana. Livro de Receitas do Professor de Português: atividades para sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

BARROS, Diana L.P de. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 1994.

FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2005.

GARCEZ, Lucília Helena do Carmo. Técnica de redação - o que é preciso saber para bem escrever. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. “Gêneros textuais: definição e funcionalidade”. In: DIONÍSIO, Angela Paiva, MACHADO, Anna Rachel, BEZERRA, Maria Auxiliadora (org.). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2002.

MARTINS, Eduardo. Com todas as letras - o português simplificado. São Paulo: Moderna, 2000.

O Lutador - Carlos Drummond de Andrade

Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Algumas, tão fortes
como o javali.
Não me julgo louco.
Se o fosse, teria
poder de encantá-las.
Mas lúcido e frio,
apareço e tento
apanhar algumas
para meu sustento
num dia de vida.
Deixam-se enlaçar,
tontas à carícia
e súbito fogem
e não há ameaça
e nem 3 há sevícia
que as traga de novo
ao centro da praça.

Insisto, solerte.
Busco persuadi-las.
Ser-lhes-ei escravo
de rara humildade.
Guardarei sigilo
de nosso comércio.
Na voz, nenhum travo
de zanga ou desgosto.
Sem me ouvir deslizam,
perpassam levíssimas
e viram-me o rosto.
Lutar com palavras
parece sem fruto.
Não têm carne e sangue?
Entretanto, luto.

Palavra, palavra
(digo exasperado),
se me desafias,
aceito o combate.
Quisera possuir-te
neste descampado,
sem roteiro de unha
ou marca de dente
nessa pele clara.
Preferes o amor
de uma posse impura
e que venha o gozo
da maior tortura.

Luto corpo a corpo,
luto todo o tempo,
sem maior proveito
que o da caça ao vento.
Não encontro vestes,
não seguro formas,
é fluido inimigo
que me dobra os músculos
e ri-se das normas
da boa peleja.

Iludo-me às vezes,
pressinto que a entrega
se consumará.
Já vejo palavra
sem coro submisso,
esta me ofertando
seu velho calor,
aquela sua glória
feita de mistério,
outra seu desdém,
outra seu ciúme,
e um sapiente amor
me ensina a fruir
de cada palavra
a essência captada,
o sutil queixume.
Mas ai! é o instante
de entreabrir os olhos:
entre beijo e boca,
tudo se evapora.

O ciclo do dia
ora se conclui 8
e o inútil duelo
jamais se resolve.
O teu rosto belo,
ó palavra, esplende
na curva da noite
que toda me envolve.
Tamanha paixão
e nenhum pecúlio.
Cerradas as portas,
a luta prossegue
nas ruas do sono.

Como comecei a escrever - Carlos Drummond de Andrade

Aí por volta de 1910 não havia rádio nem televisão, e o cinema chegava ao interior do Brasil uma vez por semana, aos domingos. As notícias do mundo vinham três dias depois de publicadas no Rio de Janeiro. Se chovia a potes, a mala do correio aparecia ensopada, uns sete dias mais tarde. Não dava para ler o papel transformado em mingau.
Papai era assinante da Gazeta de Notícias, e antes de aprender a ler eu ficava fascinado pelas gravuras coloridas do suplemento de domingo. Tentava decifrar o mistério das letras em redor das figuras, e mamãe me ajudava nisso. Quando fui para a escola pública, já tinha noção vaga de um universo de palavras que precisava conquistar.
Durante o curso, minhas professoras costumavam passar exercícios de redação. Cada um de nós tinha de escrever uma carta, narrar um passeio, coisas assim. Criei gosto por esse dever, que me permitia aplicar para determinado fim o conhecimento que ia adquirindo do poder de expressão contido nos sinais reunidos em palavras.
Daí por diante as experiências foram-se acumulando, sem que eu percebesse que estava descobrindo a literatura. Alguns elogios da professora me animavam a continuar. Ninguém falava em conto ou poesia, mas a semente dessas coisas estava germinando. Meu irmão, estudante na Capital, mandava-me revistas e livros, e me habituei a viver entre eles. Depois, já rapaz, tive a sorte de conhecer outros rapazes que também gostavam de ler e escrever.
Então, começou uma fase muito boa de trocas de experiências e impressões. Na mesa do café-sentado (pois tomava-se café sentado nos bares, e podia-se conversar horas e horas sem incomodar ou ser incomodado) eu tirava do bolso o que escrevera durante o dia, e meus colegas criticavam. Eles também sacavam seus escritos, e eu tomava parte nos comentários. Tudo com naturalidade e franqueza. Aprendi muito com os amigos, e tenho pena dos jovens de hoje que não desfrutam desse tipo de amizade crítica.

(ANDRADE, Carlos Drummond. In Para gostar de ler – vol. V, crônicas. SP: Ática, 1996, pp. 06-07)

11.03.2008

"Borges e eu" - Jorge Luis Borges

Ao outro, a Borges, é que acontecem as coisas. Eu caminho por Buenos Aires e demoro-me, talvez já mecanicamente, na contemplação do arco de um saguão e da cancela; de Borges tenho notícias pelo correio e vejo o seu nome num trio de professores ou num dicionário biográfico. Agra­dam-me os relógios de areia, os mapas, a tipografia do século XVIII, as etimologias, o sabor do café e a prosa de Stevenson; o outro comunga dessas preferências, mas de um modo vaidoso que as converte em atribu­tos de um actor. Seria exagerado afirmar que a nossa relação é hostil; eu vivo, eu deixo-me viver, para que Borges possa urdir a sua literatura, e essa literatura justifica-me. Não me custa confessar que conseguiu certas páginas válidas, mas essas páginas não me podem salvar, talvez porque o bom já não seja de alguém, nem sequer do outro, mas da linguagem ou da tradição. Quanto ao mais, estou destinado a perder-me definitivamen­te, e só algum instante de mim poderá sobreviver no outro. Pouco a pouco vou-lhe cedendo tudo, ainda que me conste o seu perverso hábito de falsificar e magnificar. Espinosa entendeu que todas as coisas querem perseverar no seu ser; a pedra eternamente quer ser pedra, e o tigre um tigre. Eu hei-de ficar em Borges, não em mim (se é que sou alguém), mas reconheço-me menos nos seus livros do que em muitos outros ou no laborioso toque de uma viola. Há anos tratei de me livrar dele e passei das mitologias do arrabalde aos jogos com o tempo e com o infinito, mas esses jogos agora são de Borges e terei de imaginar outras coisas. Assim, a minha vida é uma fuga e tudo perco, tudo é do esquecimento ou do outro.
Não sei qual dos dois escreve esta página.

"Sobre a escrita..." por Clarice Lispector

Meu Deus do céu, não tenho nada a dizer. O som de minha máquina é macio.
Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma idéia. Cada palavra materializa o espírito. Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento.
Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos pensamentos. Sempre achei que o traço de um escultor é identificável por uma extrema simplicidade de linhas. Todas as palavras que digo - é por esconderem outras palavras.
(...)

10.28.2008

PROJETO ESCREVIVENDO COM INTERFACE PARA BLOGAGEM

OFICINA DE ESCRITA E LEITURA PARA O COTIDIANO

A proposta da oficina é incentivar jovens e adultos a produzir textos e a refletir sobre sua maneira de escrever. Neste sentido,a oficina desmistificará o ato da escrita transformando-a num processo centrado na reflexão sobre o assunto, sobre a forma textual adotada, sobre o papel do leitor e sobre o encadeamento das idéias.
Aprendendo a escrever melhor e a ler mais crítica e atentamente, é reforçada nos participantes a sua cidadania e sua auto-estima, permitindo que atuem mais ativamente na sociedade.
O Escrevivendo existe há três anos na Casa das Rosas- Espaço Haroldo de Campos de Poesia eLiteratura- e também já foi ministrado durante um ano na Biblioteca Temática de Poesia Alceu Amoroso Lima. Como resultado, somos uma espécie de família hospitaleira que adora receber novos escreviventes.
A partir de agosto de 2008, passei de mediadora a coordenadora do projeto Escrevivendo. Como mediadores, alunos de licenciatura da Fe/USP (Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa- em parceria com a Professora Doutora Neide Luzia de Rezende). Desta forma, demos um passo em direção à grande demanda por oficinas de escrita e leitura em São Paulo.
Ao lado, poderão ser lidos alguns dos textos resultantes do módulo 'Escrevivendo Luz na Primavera', realizado entre setembro e outubro no Museu da Língua Portuguesa.
Quanto à interface para a blogagem, desenvolvo um projeto de pesquisa e pretendo, neste trabalho experimental com o blog - ferramenta de novas tecnologias de informação e comunicação- em parceria com a comunidade CIAM , de Marilia, verificar se será efetivo o uso da blogagem tanto entre mediadores e redatores participantes desta oficina quanto entre possíveis escreviventes que não possam estar presentes fisicamente conosco.
Bem-vindos!
Karen Kipnis

10.18.2008

A Luz de Carla


Tela da talentosa escrevivente Carla Liliana