11.06.2008

Escrevivendo “Memórias”: 2º Módulo – 1º Encontro

Conteúdos:
Apresentações: Escreviventes, mediadores, oficina;
Discussão: Mitos e Crenças sobre o ato de escrever.

Objetivos:
Promover a socialização dos participantes, assim como conhecer suas necessidades e expectativas em relação à oficina;
Expor os conceitos e as propostas do “Projeto Escrevivendo”;
Destacar a importância da leitura e escrita no cotidiano e
Iniciar uma reflexão sobre o ato de escrever.

Tarefas:
Realização de um breve texto intitulado “Quem sou eu ?”;
Escrever uma memória de família (Fazer em casa, para o dia 22/11)

Breve descrição:
A primeira parte do primeiro encontro do “Escrevivendo Memórias” começou com uma conversa em grupo, a qual permitiu nossa socialização. Sentamos em círculo e iniciamos duas rodadas de apresentações: a primeira, focada em dizer nome e formação; a segunda, como soube da oficina e o porquê fazê-la.
Descobrimos que somos um grupo, em grande parte, de formação em Humanas, isto é, historiadores, pedagogos, estudantes de administração, letras, etc. movidos pelo interesse de uma “melhor” escrita, assim como exteriorizar nossos “dotes” literários. Aliás, cabe dizer, que nossa união se dá pela possibilidade de desenvolver o tema “memória”, já que este foi apontado como o grande motivador de estarmos na oficina.
Considerando que o principal objetivo do “Escrevivendo Memórias” é desmistificar o ato de escrever, como expôs a coordenadora Karen Kipnis, por meio da reflexão direcionada para o processo de produção textual, bem como a participação do outro, entendido como o interlocutor que irá além de um mero corretor ortográfico ou gramatical[1], concluímos que nossas manhãs de sábados no Museu da Língua Portuguesa não serão em vão, afinal, estamos de acordo com a proposta.
Na segunda parte “colocamos a mão no lápis”, isto é, fizemos uma breve e livre produção de texto que consistia de responder a “simples” pergunta: Quem sou eu?.
Depois de muita crise existencial todos possuíam em mãos suas produções – não nomeadas – que foram recolhidas, dobradas e redistribuídas a um leitor que não fosse o próprio autor. Assim passamos a colocar em prática nossas habilidades investigativas: cada escrevivente deveria ler o texto que recebeu e tentaria descobrir de quem se tratava aquela produção. Conclusão: a polícia estaria feita caso possuísse em seu quadro de funcionários os escreviventes do Museu! Com pouquíssimos erros, associamos rapidamente textos e autores, e olha que era a primeira vez que nos víamos! Próxima vez será mais difícil, aguardem...
Brincadeiras à parte, a atividade permitiu perceber a partir da troca de textos como nos dizemos pelo que escrevemos, muito além do tema “quem sou eu”; notamos que o texto traz marcas pessoais e está longe de uma neutralidade. Escrever é atuar no mundo...
Finalizando nossa manhã, lemos e discutimos – em grupos de cinco escreviventes – depoimentos de escritores famosos que esboçam suas relações com o ato de escrever, em nada diferentes das nossas, no sentido de que, para eles, escrever se resumo a “uma luta”, “processo demorado”, difícil e penoso”, etc., mas, sobretudo, essencial, uma forma de “estar vivo”, como definiu Paulo Mendes Campos.
Antes de deixarmos de vez a sala, dois recadinhos importantes foram dados, recordemos: o próximo encontro, 08/11/08, terá a presença do poeta Frederico Barbosa, e devemos levar escrita a memória de família para o dia 22/11, pois não nos veremos 15/11.
É isso pessoal, ótima semana! Escrevivemos no próximo sábado.

Recomendações do dia:
“Borges e eu” - Jorge Luis Borges (vide blog)
“O lutador” - Carlos Drummond de Andrade (vide blog)

Bibliografia:
Garcez, Lucília Helena do Carmo. Técnica de redação. O que é preciso saber para bem escrever. São Paulo: Martins Fontes, 2004. (Capítulo I)

[1] Baseado no comentário de GARCEZ. Lucília H. do Carmo. Anotações para um futuro. In: A escrita e o outro. Brasília: UnB, 1988. p. 158: “A participação do outro, ultrapassando a revisão que seria a de um corretor ortográfico ou gramatical (...) traz para a pauta de discussões o funcionamento real do discurso, a construção dos significados, as interferências, a interlocução possível com um destinatário distante.”. Vale lembrar que a autora está na bibliografia básica da nossa oficina.

11.05.2008

BIBLIOGRAFIA GERAL

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Martins Fontes: São Paulo, 2003.

CALKINS, Lucy McCormick. “O essencial para o ensino da escrita” In: A arte de ensinar a escrever. Trad. de Deise Batista, Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

CAMARGO, Thaís Nicoleti de. Uso da vírgula. São Paulo: Manole, 2005.

CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. In: Ciência e cultura, 24(9), p.803-9, set. 1972.

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995.

COSCARELLI, Carla Viana. Livro de Receitas do Professor de Português: atividades para sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

BARROS, Diana L.P de. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 1994.

FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2005.

GARCEZ, Lucília Helena do Carmo. Técnica de redação - o que é preciso saber para bem escrever. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. “Gêneros textuais: definição e funcionalidade”. In: DIONÍSIO, Angela Paiva, MACHADO, Anna Rachel, BEZERRA, Maria Auxiliadora (org.). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2002.

MARTINS, Eduardo. Com todas as letras - o português simplificado. São Paulo: Moderna, 2000.

O Lutador - Carlos Drummond de Andrade

Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Algumas, tão fortes
como o javali.
Não me julgo louco.
Se o fosse, teria
poder de encantá-las.
Mas lúcido e frio,
apareço e tento
apanhar algumas
para meu sustento
num dia de vida.
Deixam-se enlaçar,
tontas à carícia
e súbito fogem
e não há ameaça
e nem 3 há sevícia
que as traga de novo
ao centro da praça.

Insisto, solerte.
Busco persuadi-las.
Ser-lhes-ei escravo
de rara humildade.
Guardarei sigilo
de nosso comércio.
Na voz, nenhum travo
de zanga ou desgosto.
Sem me ouvir deslizam,
perpassam levíssimas
e viram-me o rosto.
Lutar com palavras
parece sem fruto.
Não têm carne e sangue?
Entretanto, luto.

Palavra, palavra
(digo exasperado),
se me desafias,
aceito o combate.
Quisera possuir-te
neste descampado,
sem roteiro de unha
ou marca de dente
nessa pele clara.
Preferes o amor
de uma posse impura
e que venha o gozo
da maior tortura.

Luto corpo a corpo,
luto todo o tempo,
sem maior proveito
que o da caça ao vento.
Não encontro vestes,
não seguro formas,
é fluido inimigo
que me dobra os músculos
e ri-se das normas
da boa peleja.

Iludo-me às vezes,
pressinto que a entrega
se consumará.
Já vejo palavra
sem coro submisso,
esta me ofertando
seu velho calor,
aquela sua glória
feita de mistério,
outra seu desdém,
outra seu ciúme,
e um sapiente amor
me ensina a fruir
de cada palavra
a essência captada,
o sutil queixume.
Mas ai! é o instante
de entreabrir os olhos:
entre beijo e boca,
tudo se evapora.

O ciclo do dia
ora se conclui 8
e o inútil duelo
jamais se resolve.
O teu rosto belo,
ó palavra, esplende
na curva da noite
que toda me envolve.
Tamanha paixão
e nenhum pecúlio.
Cerradas as portas,
a luta prossegue
nas ruas do sono.

Como comecei a escrever - Carlos Drummond de Andrade

Aí por volta de 1910 não havia rádio nem televisão, e o cinema chegava ao interior do Brasil uma vez por semana, aos domingos. As notícias do mundo vinham três dias depois de publicadas no Rio de Janeiro. Se chovia a potes, a mala do correio aparecia ensopada, uns sete dias mais tarde. Não dava para ler o papel transformado em mingau.
Papai era assinante da Gazeta de Notícias, e antes de aprender a ler eu ficava fascinado pelas gravuras coloridas do suplemento de domingo. Tentava decifrar o mistério das letras em redor das figuras, e mamãe me ajudava nisso. Quando fui para a escola pública, já tinha noção vaga de um universo de palavras que precisava conquistar.
Durante o curso, minhas professoras costumavam passar exercícios de redação. Cada um de nós tinha de escrever uma carta, narrar um passeio, coisas assim. Criei gosto por esse dever, que me permitia aplicar para determinado fim o conhecimento que ia adquirindo do poder de expressão contido nos sinais reunidos em palavras.
Daí por diante as experiências foram-se acumulando, sem que eu percebesse que estava descobrindo a literatura. Alguns elogios da professora me animavam a continuar. Ninguém falava em conto ou poesia, mas a semente dessas coisas estava germinando. Meu irmão, estudante na Capital, mandava-me revistas e livros, e me habituei a viver entre eles. Depois, já rapaz, tive a sorte de conhecer outros rapazes que também gostavam de ler e escrever.
Então, começou uma fase muito boa de trocas de experiências e impressões. Na mesa do café-sentado (pois tomava-se café sentado nos bares, e podia-se conversar horas e horas sem incomodar ou ser incomodado) eu tirava do bolso o que escrevera durante o dia, e meus colegas criticavam. Eles também sacavam seus escritos, e eu tomava parte nos comentários. Tudo com naturalidade e franqueza. Aprendi muito com os amigos, e tenho pena dos jovens de hoje que não desfrutam desse tipo de amizade crítica.

(ANDRADE, Carlos Drummond. In Para gostar de ler – vol. V, crônicas. SP: Ática, 1996, pp. 06-07)

11.03.2008

"Borges e eu" - Jorge Luis Borges

Ao outro, a Borges, é que acontecem as coisas. Eu caminho por Buenos Aires e demoro-me, talvez já mecanicamente, na contemplação do arco de um saguão e da cancela; de Borges tenho notícias pelo correio e vejo o seu nome num trio de professores ou num dicionário biográfico. Agra­dam-me os relógios de areia, os mapas, a tipografia do século XVIII, as etimologias, o sabor do café e a prosa de Stevenson; o outro comunga dessas preferências, mas de um modo vaidoso que as converte em atribu­tos de um actor. Seria exagerado afirmar que a nossa relação é hostil; eu vivo, eu deixo-me viver, para que Borges possa urdir a sua literatura, e essa literatura justifica-me. Não me custa confessar que conseguiu certas páginas válidas, mas essas páginas não me podem salvar, talvez porque o bom já não seja de alguém, nem sequer do outro, mas da linguagem ou da tradição. Quanto ao mais, estou destinado a perder-me definitivamen­te, e só algum instante de mim poderá sobreviver no outro. Pouco a pouco vou-lhe cedendo tudo, ainda que me conste o seu perverso hábito de falsificar e magnificar. Espinosa entendeu que todas as coisas querem perseverar no seu ser; a pedra eternamente quer ser pedra, e o tigre um tigre. Eu hei-de ficar em Borges, não em mim (se é que sou alguém), mas reconheço-me menos nos seus livros do que em muitos outros ou no laborioso toque de uma viola. Há anos tratei de me livrar dele e passei das mitologias do arrabalde aos jogos com o tempo e com o infinito, mas esses jogos agora são de Borges e terei de imaginar outras coisas. Assim, a minha vida é uma fuga e tudo perco, tudo é do esquecimento ou do outro.
Não sei qual dos dois escreve esta página.

"Sobre a escrita..." por Clarice Lispector

Meu Deus do céu, não tenho nada a dizer. O som de minha máquina é macio.
Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma idéia. Cada palavra materializa o espírito. Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento.
Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos pensamentos. Sempre achei que o traço de um escultor é identificável por uma extrema simplicidade de linhas. Todas as palavras que digo - é por esconderem outras palavras.
(...)